sábado, 15 de janeiro de 2011

Sr. Sadan


          Certa feita me aconteceu algo inexplicável em Curitiba; comentei com alguns amigos há algum tempo, mas nesta noite sinto que devo escrever resumidamente aqui. 
          Era pouco mais de 18:00h., eu tinha ido ao mercado comprar pão, café e algumas frutas. Naqueles dias eu me encontrava muito sensibilizada; foi o início do cultivo deste novo prazer proporcionado por Deus - a adoração ao Santíssimo Sacramento. Quase um ano morando naquela cidade e só nesses últimos dias eu passei a notar que, assim como no interior, os pássaros cantavam cedo com uma insistência de quem precisa anunciar que um novo dia na Terra se estabelece e que será um lindo dia para quem crer que assim será. Quase um ano para eu ver que um senhor morava no relento tão próximo de mim e me observava sempre que eu dobrava a esquina da farmácia (no meio do caminho entre o mercado e o apartamento). Tendo o que comer, me senti no dever de dividir com ele: das três maçãs, doei-lhe duas. O homem agradeceu pelo meu gesto e me convidou para sentar junto dele ali na calçada; eu recusei mentindo que minha mãe estava a minha espera e que ela deveria estar preocupada, posto que eu havia saído fazia algum tempo.
          Saí. Meu coração ficou apertado como uma laranja na mão de quem prepara um suco. Tive vergonha da minha atitude, Por que não voltar e conversar com o pobre homem? Que faria ele contra mim? O pior foi ter a certeza de que eu não queria voltar por conta da situação física em que o indigente se encontrava - sujo. Antes que desse por mim, estava lá de volta e estendendo a mão para ele. Sentei-me. Mas não como quem senta na calçada, e sim como quem se acomoda numa bela sala de estar, com velas, incenso e música. Ficamos ali alguns minutos: ele me disse o quanto gostava da cidade, porquê tinha ido para lá, disse-me seu nome, não comentou nada sobre família ou amigos, olhava acabrunhado para cima e às vezes de soslaio como quem se sente indigno da presença alheia. Eu apenas fitava-o. Meu coração foi-se enchendo de ternura e meu corpo tomado por uma vontade insana de abraçá-lo, mas não sabia como. Foi então que resolvi despedir-me e, no ato do adeus, pude abraçá-lo como quem abraça um de seus amigos queridos. E muito mais afetuoso que o meu, foi o abraço dele. Melhor que isso foi, ao soltarem-se os corpos, ver que a tristeza solitária daquele olhar perdido nas nuvens deu espaço a uma alegria que não se contentou com os olhos e escapou-lhe também pelos dentes.
          As velas, na verdade, eram os primeiros postes a serem acesos; o incenso não passava de fumaça e a música era das siringes de pequenos pássaros que ali logo acima moravam, no topo de uma árvore. Mas quem se importa com isso? Mais suja que os pés e as mãos daquele homem estava - certamente - minha alma, e quem realmente precisava daquele abraço não era ele, mas eu. E aquele sorriso... Ficou tatuado no meu espírito como sinônimo da primeira vez que amei um dos pequeninos que Deus falava no Evangelho.  

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